Já que corrupção é o assunto do momento, eu acho que a gente devia começar a esclarecer umas coisas. Eu andei lendo sobre o esquema da Petrobrás (a Folha tem um infográfico explicativo muito didático) e perguntando pra algumas pessoas que trabalham em empreiteiras pra saber direitinho como o esquema funciona. A gente tem que se informar, né? Também li alguns estudos sobre corrupção de acadêmicos da área de gerenciamento e psicologia social [1]. Aqui vão minhas conclusões preliminares sobre o assunto.
Quando esses escândalos de corrupção ocorrem, a reação imediata das pessoas que estão “do lado de fora” é de querer apontar os culpados, e puni-los por isso. A idéia por trás disso é que existe uma meia dúzia de pessoas mal intencionadas, gananciosas e mesquinhas que estão burlando o sistema para benefício próprio. Se livrar dessas pessoas, portanto, iria garantir que não haverá mais corrupção. Muito prático, né? Só que as coisas não são bem assim. Acho que a gente já está crescidinho o suficiente pra entender que não tem dessa de pessoas boas e pessoas más, vilões e mocinhos.
Atos corruptos não são cometidos por pessoas imorais ou com algum desvio de comportamento, mas por pessoas como eu e você (assumindo que você não tem um desvio de comportamento…). Pessoas que vão colocar o filho de castigo se ele pegar alguma coisa do coleguinha da escola sem pedir, que vão achar um absurdo o prefeito daquela cidadezinha que desviou dinheiro pra comprar uma fazenda e que não vão sair de um restaurante sem pagar. Então o que leva uma pessoa que tem bons valores morais a cometer atos de corrupção? Pra mim, esse é o cerne da questão. Se entendermos direitinho como as pessoas são levadas a cometer atos ilícitos, temos uma chance de resolver o problema antes dele começar, de prevenir ao invés de remediar. Nós sabemos algumas coisinhas sobre isso já, felizmente.
A primeira coisa que devemos ter em mente é o contexto. As pessoas tomam decisões em um determinado momento, com uma quantidade finita de informação e muitas vezes sob pressão para atingir um objetivo imediato. As decisões são tomadas sem muita reflexão, sem tempo para analisar a situação como um todo, o que torna tudo muito mais difícil. Naquele momento crucial de decidir se pagamos a propina ou não, se contamos com uma venda ainda não consolidada ou não, se falamos pro cliente que aquela ação vai absolutamente subir ou não, pensamos numa escala pequena. Se não quebrarmos “um pouquinho” a regra, talvez ficaremos sem emprego, talvez muitas pessoas ficarão sem emprego, talvez a empresa não vai cumprir a meta… nesse momento, dadas as consequências, quebrar “um pouquinho” a regra é um mal necessário. Mesmo que, no fundo, no fundo, você saiba que está fazendo algo ilegal. A gente tem uma coisa que chama auto-preservação psicológica, que protege o nosso ego e que nem sempre é muito boa. Ela é responável pela racionalização de atos ilícitos, aquele pensamento de que “foi a coisa certa a se fazer no momento”.
Podemos fazer um exercício pra ver como isso tudo funciona. Vamos usar o esquema da Petrobrás que todo mundo já sabe direitinho como funciona a essa altura. Vamos nos colocar no lugar de cada uma das pessoas e ver como elas podem ter racionalizado suas ações [2]:
– José, diretor da Petrobrás. José foi indicado pelo partido X para ser o novo diretor da Petrobrás. No momento da indicação, ele ficou muito feliz e orgulhoso do bom trabalho que fez durante sua carreira para merecer uma diretoria tão importante. Ele comemorou com um churrasco com sua família e amigos do partido X. Ele foi alertado que terá que seguir “sugestões” do partido X de vez em quando, mas ele confia que seus amigos são profissionais competentes e vão indicar boas empresas. Além do mais, é uma maneira de conseguir verba pro próprio partido que o ajudou a conseguir essa posição importante. Se não for assim, a empresa nunca vai doar tanto dinheiro pra um partido, porque elas são gananciosas e más. E partidos precisam de dinheiro para campanhas. José pensa estar ajudando a todos.
– Carlos, amigo de José do partido X. Carlos apoiou a indicação de José pra diretoria da Petrobrás porque José é uma pessoa de confiança e competente. Carlos se preocupa em conseguir verba pro seu partido para eleger mais pessoas e aprovar projetos que ele concorda que serão bons pra sociedade. Como as empresas não vão doar tanto dinheiro pra campanhas políticas, Carlos pode usar a influência de José na contratação para obras na Petrobrás e forçar um pouquinho esse pagamento. Tudo pro bem da sociedade. O dinheiro não fará falta pras empresas.
– Eduardo, dono da empresa Y. Eduardo abriu sua empresa ainda jovem, e está orgulhoso de como ela cresceu. Decide entrar finalmente na concorrência pra uma obra importante com a Petrobrás. Durante uma reunião, uma propina é sutilmente sugerida e Eduardo acha um absurdo, a princípio. Depois de algumas licitações perdidas, ele percebe que se não pagar a propina como todas as outras empresas têm feito, nunca conseguirá obras importantes. Um contrato com a Petrobrás é realmente algo grande pra se ter no portifólio da sua empresa. Eduardo faz as contas e vê que valerá a pena pagar a propina nesse momento e que esse contrato pode abrir portas pra sua empresa. Eduardo entra no esquema.
Olhando assim, de pertinho, não parece que eles estão fazendo algo de muito errado. Olhando de longe, como estamos vendo nas notícias, tudo é um grande absurdo, uma roubalheira, imoral, e todos esses adjetivos. A lição que tiramos disso é que atos errados não parecem tão errados num nível micro. Se cada uma dessas pessoas tivesse uma noção do tamanho do esquema pro qual estão contribuindo, como estamos vendo hoje nas notícias, talvez tomariam uma decisão diferente. Mas elas não tem. Nem eu e nem você, se estivéssemos no lugar
Claro que meus personagens fictícios são só os personagens principais. Mas um esquema desse tamanho não se faz com uma pessoa em uma empresa ou instituição. É necessário haver o apoio, ou pelo menos consentimento, de muitos e muitos outros. O que leva à segunda coisa que sabemos sobre comportamento humano: comportamento de grupo e obediência. Se você é uma pessoa dentro de uma instituição, e percebe que algo de errado está sendo feito, você tem duas opções: aponta o erro e arrisca perder seu emprego ou fica calado e vê se alguém vai falar alguma coisa. Como a maioria das pessoas escolhe a segunda opção, o silêncio coletivo te faz pensar que talvez a coisa não seja tão errada assim. E tudo passa a ser ok e você pensa “bom, então é assim que as coisas funcionam por aqui, tudo bem”. E se tudo que você tem que fazer é assinar um papel ou jogar uns números numa planilha ou fazer uma transferência bancária, a sua sensação de responsabilidade em um esquema de corrupção é perto de zero. Afinal de contas, você está apenas seguindo ordens. Na verdade, eu acho que a maioria de pessoas num esquema de corrupção, senão todas, não pensam conscientemente que estão sendo corruptas ou fazendo algo errado (o que não impede que elas paguem pelos seus atos, claro).
E aí? Como fazer pra prevenir essa situação? Ficou difícil agora né? Pois é…
Com certeza existem pessoas trabalhando em coisas que podem ser aplicadas a essas situações. A gente tem que prestar atenção, se informar, e juntar os dois mundos da teoria e da prática pra uma solução de verdade.
[1] A propósito, muito pouca coisa disponível online… Não sei se é por causa de direitos autorais ou se realmente existem poucos estudos sobre o assunto.
[2] A situação descrita é altamente hipotética e serve simplesmente como um exemplo exagerado para fins didáticos.