Hoje na reunião de projeto aconteceu uma coisa interessante… Logo no início um colega falou com meu professor que gostaria de conversar com ele depois sobre um projeto em parceria com a Franca. Meu professor disse que eles podiam adiantar e conversar naquele momento mesmo. Enquanto eles falavam sobre a proposta e o deadline (daqui a 5 dias) o meu orientador virou pro meu colega e disse “Você sabe que a Giselle tem que estar no projeto né?”. Eu, que nem estava sabendo de projeto nenhum até então virei pra ele e pro meu colega com cara de “Como assim??”. Eu nem sabia do assunto do projeto e de repente eu *tenho* que participar dele? Tá né… Aí meu professor explicou que pro projeto ser aprovado precisa ter uma porcentagem mínima de mulheres. Ou seja, se fosse um projeto só com homens ele não ia ser aprovado de jeito nenhum, e eu como a única mulher desse grupo da universidade, entrarei pra garantir que temos uma chance de ser aprovado. o.O
Qual é minha contribuicão pro projeto em si? Sabe-se lá… Ele viu que eu fiquei meio desconcertada e me garantiu que esse não foi o motivo pelo qual eu fui aceita no programa de doutorado (apesar dele ter tido sim uma quota pra mulheres, eu tenho aparentemente um bom currículo). Meu professor tentou explicar que eles fazem isso pra diminuir a discriminacão contra mulheres nas ciências. Mas sério… eles só estão gerando uma discriminacão pelo outro lado. Olha só minha situacão, eu fui chamada pra participar de um projeto simplesmente porque sou uma mulher… Pode não ter sido a intencão do meu professor, mas o fato de ninguém ter me falado disso até hoje, faltando cinco dias pra submeter a proposta, não é um indício muito forte de que eu tenho algo pra acrescentar.
Fiquei pensando nisso por um tempo. Conversei com outro colega e ele disse que se eu tiver me sentindo desconfortável a melhor coisa que eu faco é falar com meu professor, mas ele acha que na verdade esses projetos são submetidos não porque é esperado que os resultados prometidos sejam atingidos, mas sim pra gente conseguir verbas pra viajar e parcerias com outras universidades que podem gerar resultados completamente diferentes do proposto. Enfim, tudo tem dois lados. Eu posso aproveitar essa regra esquisita e usar a meu favor pra entrar nos projetos e conhecer outros pesquisadores e outras linhas de pesquisar e visitar outras universidades. Mas por outro lado, tem a minha ética e auto-estima, que me falam que ia ser melhor mesmo se eu estivesse num projeto por mérito próprio e porque as pessoas realmente acharam que eu era relevante. Infelizmente o mundo é injusto, e a segunda possibilidade parece semi-utópica… Então, melhor usar a injustica pro meu proveito enquanto eu posso (até os 35 anos. Também tem um limite de idade…).
Muito curioso isso… ao longo da minha vida acadêmica (e na sociedade tb) sempre observei uma discriminação, mas na direção contrária – mulheres não eram muito bem vistas ao querer se aprofundar no conhecimento. Hoje, de volta à universidade, eu me sinto mais à vontade (talvez por causa do curso que escolhi) mas acho que isso ainda existe. Esta particularidade de obrigar a ter mulheres no grupo de pesquisa pode ferir algumas de suas convicções – mas pode te favorecer sem tirar sua dignidade e seus méritos. Inicialmente pode parecer que você está apenas completando o time, mas seus valores vão acabar aparecendo… Fiquei associando ao caso das cotas para afrodescendentes: enquanto alguns negros acham que podem crescer pelos próprios méritos (e eu concordo com eles) outros pegam carona e aproveitam o benefício. No final, as competências é que vão prevalecer, pois os oportunistas não terão o que apresentar…
Salve, Gi! Vc está num Estado de Bem Estar Social – Welfare State, modelo político quase unânime aí na Europa. A proposta é minimizar as desigualdades mesmo. Se todo mundo nascesse sob as mesmas condições, numa igualdade sócio-econômica plena (utopia), a gente poderia até dizer que alguns são mais competentes que outros por mérito próprio. Mas alguns começaram a corrida da vida num fusquinha e outros num jaguar, então como dizer que a questão passa apenas por competência pessoal? Mérito por pura competência pessoal seria se o jogo começasse com tod@s no mesmo pé de igualdade, mas sabemos que não é assim. E pode estar certa que o foco não é destinar verba prá você viajar, mas possibilitar que mulheres possam enriquecer seu currículo pois no mercado elas já saem perdendo. Muitas pesquisas mostram que num mesmo cargo, ou com um mesmo currículo, os homens tem salário maior que as mulheres. Sim, o mundo não é justo e a vida é mesmo mais fácil prá eles: pergunta se eles tiveram que trabalhar fora e dentro de casa como as mulheres fazem (lavar, passar, cozinhar, limpar janelas, cuidar dos filhos, plantar e regar plantas…)? Sem contar que a maioria dos empregadores preferem contratar homens pois eles não engravidam e não tem que levar filhos ao médico com a mesma freqüência que as mulheres. Nós não tinhamos o direito nem de votar, e certamente ainda não temos esse direito em várias pastes do mundo, imagina só? Portanto don't worry, be happy! 🙂